Marie-Anne Pierrette Paulze (Montbrison, 20 de janeiro de
1758 — Paris, 10 de fevereiro de 1836) foi uma química e aristocrata francesa
que se tornou conhecida por ter sido a esposa de dois grandes cientistas:
Antoine Lavoisier e Benjamin Thompson, também conhecido como Conde Rumford.
Primeiros
Anos
Marie-Anne Pierrette Paulze era filha de Jacques Paulze, um
membro da Ferme Général. Quando tinha três anos de idade, devido a morte da sua
mãe, Marie-Anne foi colocada num convento, onde recebeu a sua formação inicial
e foi incentivada a estudar. Aos treze anos, Marie-Anne foi retirada do
convento para se casar com o Conde de Amerval, um aristocrata falido de
cinquenta e um anos.
Este casamento "arranjado" foi imposto ao pai de
Marie-Anne por Joseph Marie Terray, membro superior da Ferme Général. Terray
actuou a pedido da Baronesa de la Garde, irmã do Conde de Amerval. Marie-Anne
foi escolhida como futura esposa do conde porque a sua família era bastante
rica. Marie-Anne opôs-se ao casamento. Não querendo contrariar a vontade da sua
filha, mas receado represálias por não obdecer ao "pedido" de Terray,
Jacques Paulze contornou a situação, propondo o casamento de Marie-Anne com um
jovem membro da Ferme Général, Antoine Lavoisier. Marie-Anne aceitou, e a
cerimónia de casamento realizou-se a 16 de dezembro de 1771.
Marie Lavoisier e seu marido Antoine Lavoisier (retrato de Jacques-Louis David, 1788). |
Mulher
e colaboradora de Lavoisier
Antoine
Lavoisier
Pouco depois do início do casamento com Lavoisier Marie-Anne
demonstrou interesse pelas suas actividades científicas. Assim Marie-Anne teve
lições de química com Jean-Baptiste Bucquet, que lhe permitiram tornar-se
assistente de Lavoisier e participar nos trabalho e nas experiências de
Lavosier traduzindo para o francês textos originalmente escritos em latim ou em
inglês e, também, como ilustradora. Em várias ilustrações do trabalho de
Lavoisier é possível identificar Marie-Anne sentada, tomando notas das
experiências realizadas por Lavoisier, e anotando também os seus resultados.
Alguns exemplos da colaboração de Marie-Anne com Lavoisier são as experiências
sobre a combustão de enxofre e de fósforo e ainda as experiências sobre
respiração.
Papel
como tradutora
Marie-Anne teve lições de latim e de inglês, que lhe
permitiram traduzir vários documentos para o marido (cujo conhecimento de
outras línguas que não o francês era fraco). Uma das suas traduções mais
importantes foi o texto do inglês Richard Kirwan, Essay in Phlogiston. A
leitura da tradução deste livro foi essencial para o trabalho desenvolvido por
Lavoisier, no sentido de refutar a Teoria do flogisto.
A leitura e tradução dos diversos trabalhos realizados por
outros cientistas no âmbito da química, também permitiram a Marie-Anne
manter-se a par das novas descobertas e das controvérsias nesta ciência.
Papel
como ilustradora
Marie-Anne tornou-se a ilustradora mais importante dos
livros e ensaios escritos pelo marido. Para tal teve lições de pintura com
Jacques-Louis David, um dos pintores franceses mais famoso na época.
As ilustrações realizadas por Marie-Anne dos materiais e
apparatus utilizados nas experiências de Lavoisier ainda hoje são admiradas, e
serviram de modelo para os ilustradores de desenhos científicos da época.
Marie-Anne foi inovadora na apresentação das suas
ilustrações. Estas eram de tal forma precisas e detalhadas que podiam ser
utilizadas para recriar de forma fiel os materiais e apparatus de Lavoisier.
As ilustrações mais famosas de Marie-Anne encontram-se no
livro de Lavoisier Traité élémentair de chimie.
Papel
como anfitriã
Marie-Anne e o marido deram várias recepções e jantares em
sua casa, onde participaram convidados famosos como Benjamin Franklin, Joseph
Priestly e James Watt, para além dos elementos da Academia das Ciências, na
qual Lavoisier era membro desde 1768).
Morte
de Lavoisier
A Revolução Francesa não foi um acontecimento explosivo,
antes um crescendo de violência. E inicialmente a família Lavoisier não se
sentiu directamente afectada pelos acontecimentos. Lavoisier era uma figura
pública reconhecida, e sentia-se protegido pelo seu estatuto de cientista.
No entanto, já em outubro de 1789 (ainda no início da
Revolução Francesa), ocorreu um episódio envolvendo Marie-Anne. A carruagem
onde ela viajava foi assaltada por um grupo de mulheres revoltadas. Marie-Anne
foi forçada a acompanhar estas mulheres durante algum tempo, no seu percurso
até Versailles.
Em 24 de novembro de 1793 foi emitida uma ordem de prisão
para todos os antigos membros da Ferme Général, incluindo o marido, Antoine
Lavoisier, e o pai de Marie-Anne, Jacques Paulze. A 28 de novembro ambos se
entregaram às autoridades.
Não havia muito que Marie-Anne pudesse fazer pelo seu pai.
No entanto fez todas as diligências possíveis para a libertação do seu marido.
Falou com vários dos seus colegas e amigos cientistas. Inicialmente, colegas de
Lavoisier fizeram pressão para a sua libertação. Mas, à medida que os meses
foram passando, cessaram as manifestações por receio de serem acusados de
traição. Marie-Anne nunca lhes perdoou tal atitude.
Finalmente, Marie-Anne reuniu-se com Antoine Dupin, o
instrutor principal do processo contra os membros da Ferme Général. O objectivo
do encontro era criar um julgamento à parte e menos severo para Lavoisier, ou,
até mesmo, permitir a sua fuga da prisão. No entanto o encontro correu mal, na
medida em que Marie-Anne se recusou a ser submissa. Refere-se inclusive que foi
arrogante e agressiva, acusando Dupin de ser corrupto. A actuação de Marie-Anne
destruiu qualquer hipótese de salvar Lavoisier.
Lavoisier morreu a 8 de Maio de 1794, conjuntamente com
Jacques Paulze, pai de Marie-Anne. Foram guilhotinados na Place de la
Révolucion. Na altura várias pessoas acusaram Marie-Anne de ser responsável
pela morte do marido.
Casamento
com Benjamin Thompson
Benjamin
Thompson
Marie-Anne conheceu Benjamin Thompson, ou Conde Rumford, em
Paris a 19 de novembro de 1801. É referido que Thompson reconhecia as
capacidades intelectuais de Marie-Anne, assim como a sua vontade de
independência. O casal manteve contacto por correspondência e fazendo extensas
viagens por Baviera e pela Suiça (em 1803).
Marie-Anne convenceu o governo de França a permitir a
residência de Thompson no país, apesar deste ser inglês. Em 1804 Marie-Anne e
Thompson passaram a viver juntos. O casamento entre eles só se realizou a 24 de
outubro de 1805. O atraso deveu-se a dificuldades (devido à guerra) em obter os
papéis necessários para comprovar que Thompson era viúvo.
Este casamento terminou, alguns anos mais tarde, devido a
incompatibilidade de interesses: Marie-Anne era uma mulher enérgica e
socialmente activa, famosa pelas festas que organizava. Thompson era mais
introspectivo e arrogante. Para além disso Thompson falava quase exclusivamente
da física, enquanto Marie-Anne gostava de abordar outros assuntos.
Marie-Anne também deve ter se ressentido por Thompson não
permitir a sua participação nos projectos científicos. A tensão teria aumentado
quando algumas experiências de Thompson apontaram o calórico como não sendo um
elemento, contrariando uma das teses de Lavoisier.
A relação entre Marie-Anne e Thompson foi se degradando até
que em 1808 o casal se separou. Por essa altura, Thompson referiu-se a
Marie-Anne como sendo uma mulher tirana e obsessiva nos seus objectivos. Em
1809 obtiveram o divórcio por mútuo acordo.
Anos
finais
Logo após a morte de Lavoisier, Marie-Anne tentou recuperar
os relatórios feitos pelo marido e apreendidos pelo governo, em especial o
trabalho realizado por Lavoisier enquanto estava preso. Em 1803 Marie-Anne
publicou, utilizando o seu próprio dinheiro, a primeira edição das Memoires de
chimie. Em 1805 saiu uma segunda edição deste livro. Desta forma Marie-Anne fez
tudo o que pode para restaurar nome do primeiro marido.
Marie-Anne continuou a perpetuar a memória de Lavoisier até
ao fim da sua vida. No seu segundo casamento manteve o apelido do primeiro
marido. Continuou a realizar encontros sociais e festas, convidando artistas e
cientistas. Manteve-se como uma figura importante da sociedade parisiense até à
sua morte a 10 de fevereiro de 1836.
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