29 de out. de 2013

A Química da Pílula Anticoncepcional

O desenvolvimento da química durante a primeira metade do século XX é extremamente rica em histórias e acontecimentos inusitados. Várias reações químicas foram descobertas, a síntese orgânica teve grandes avanços. Como conseqüência, inúmeras empresas químicas se estabeleceram e prosperaram.
Uma pequena empresa química sediada no México, chamada “Laboratorios Hormona”, era conduzida pelo húngaro Emeric Somlo e pelo alemão Federico Lehman. A principal atividade desta empresa era a extração de hormônios naturais (progesterona, testosterona) a partir de órgãos de animais. Os rendimentos químicos deste processo eram extremamente baixos, e a pureza dos hormônios obtidos não devia ser lá grande coisa. Por isso, foi com muita surpresa que Somlo e Lehman receberam Russell Marker, um professor de químico dos EUA, com um pacote de 2 kg de progesterona. Marker tinha acabado de desenvolver a síntese da progesterona a partir da diosgenina, em apenas cinco etapas de reações químicas – um número extremamente pequeno de etapas, altamente vantajoso para um processo industrial. Marker tinha descoberto a estrutura da sarsapogenina a partir da raiz da salsaparrilha, e observou que a estrutura da sarsapogenina permitiria transformá-la em estruturas parecidas com as dos hormônios sexuais – progesterona e testosterona. No entanto, Marker percebeu que a sarsapogenina não seria um bom material de partida para um processo industrial, ou semi-industrial, uma vez que a disponibilidade da salsaparrilha não era adequada e o rendimento do processo não era fantástico. Sendo assim, procurou outra fonte de um esterol natural que também pudesse ser degradado para obter os hormônios sexuais – e encontrou: a diosgenina, que isolou do cacto Dioscorea mexicana, conhecida popularmente no México como cabeza de negro.
Em 1942, Marker otimizou a obtenção da progesterona a partir da diosgenina em um processo de 5 etapas. No entanto, nenhuma das empresas americanas que procurou se interessaram pela sua descoberta. Somlo e Lehmann perceberam o potencial da descoberta de Marker, e os três criaram uma nova empresa, a Syntex, para a produção de hormônios esteroidais. No entanto, Marker deixou a empresa logo – em 1944 – por desavenças com seus sócios. Lehmann e Somlo contrataram um novo químico, o húngaro George Rosenkranz, e, mais tarde, o austríaco radicado nos EUA Carl Djerassi. Com esta equipe a Syntex rapidamente se tornou uma das líderes na produção de hormônios esteroidais, como progesterona, testosterona e vários estrogênios, todos preparados a partir da diosgenina. Mas o melhor ainda estava por vir.
Em 1951 a Syntex apresentou a síntese da cortisona em 20 etapas de reações químicas, 12 etapas a menos do que a síntese química desenvolvida pela companhia Merck. A síntese desenvolvida pelo time da Syntex foi completada antes das sínteses de dois eminentes químicos orgânicos de síntese: Louis Fieser e Robert Woodward, ambos de Harvard. Este último receberia o prêmio Nobel de química em 1965. Os químicos da Syntex ainda conseguiriam melhorar ainda mais a síntese da cortisona, utilizando um outro esterol de origem vegetal, a hecogenina, isolada do sisal.
Ao comercializar a progesterona, os químicos da Syntex perceberam problemas sérios da administração oral deste hormônio, uma vez que é muito pouco solúvel em água e se degrada muito rápido no soro sangüíneo (o tempo de meia-vida da progesterona em soro é de cerca de 5 minutos). Em paralelo, Djerassi e Rosenkranz descobriram que a firma Schering em Berlim já havia conseguido sintetizar um análogo da progesterona, a etisterona, em 1938. A etisterona apresentava atividade similar a da progesterona e era solúvel em água. Além disso, Djerassi e Rosenkranz também descobriram que em 1944 Maximilian Ehrenstein, da Universidade da Pensilvânia (EUA), havia sintetizado um outro derivado da progesterona: a 19-norisoprogesterona, utilizando outro esterol vegetal como material de partida, a estrofantidina. A 19-norisoprogesterona também apresentava atividade similar à da progesterona. Desta forma, Djerassi e Rosenkranz decidiram sintetizar a 19-norprogesterona, para a qual esperavam uma atividade similar à da progesterona melhor do que a da 19-norisoprogesterona. Dito e feito: a síntese foi concluída e o efeito da 19-norprogesterona mostrou ser melhor do que o da 19-norisoprogesterona.
A partir destes resultados, Djerassi e Rosenkranz decidiram sintetizar outro derivado da progesterona, a 19-noretisterona, que teria variações estruturais observadas para os derivados anteriormente ativos: a eliminação do grupo –CH3 (metila) na posição 19 e um grupo etinila (uma ligação tripla carbono-carbono) na posição 17. Desta forma, esperavam obter um derivado da progesterona ainda mais ativo. O que de fato foi confirmado. Os químicos da Syntex batizaram este novo derivado da progesterona de noretindrona, e sua síntese foi apresentada uma no antes da síntese de outro derivado, o noretinodrel, preparado pela equipe da empresa Searle.
Qual a importância em se sintetizar a progesterona? O fato desta substância apresentar efeitos de inibir a ovulação e prevenir a contração uterina que ajuda a prevenção da expulsão do embrião. Ou seja, de inibir a formação deste. A noretindrona e o noretinodrel também apresentaram marcada ação de inibição da ovulação. E assim, poderiam atuar como inibidores não-naturais deste processo, podendo ser obtidos em quantidades industriais como feito pela Syntex. O mais interessante foi a descoberta de um contaminante, o mestranol, nas amostras de noretindrona e noretinodrel, que seria um produto secundário da síntese. O mestranol mostrou aumentar ainda mais a atividade anti-ovulatória dos derivados da progesterona. Desta forma, as primeiras formulações da pílula anticoncepcional foram feitas com noretindrona, noretinodrel e pequenas quantidade de mestranol. Os testes realizados com esta formulação apresentaram efeitos absolutamente inacreditáveis: somente mulheres que interromperam a sua administração ficaram grávidas.
Em 1962, as empresas Ortho e Syntex lançaram o Ortho-Novum, um anticoncepcional constituído de noretindrona e mestranol. Em 1964 a Syntex colocou no mercado a Norinil, um contraceptivo de baixa dose, contendo 2 mg de noretindrona e 0,1 mg de mestranol em cada pílula. Tal composição é a principal composição da pílula anticoncepcional utilizada até hoje.
Em 1966, mais de 5 milhões de mulheres norte-americanas já estavam tomando os novos contraceptivos orais. Apesar de novos contraceptivos terem sido desenvolvidos, os principais contraceptivos ainda são os mesmos utilizados de há muitos anos. A principal inovação foi a “pílula do dia seguinte”, também denominado de “contraceptivo de emergência”, a mifepristona, que atua bloqueando os receptores da progesterona no útero.
Um único fármaco foi criado para se controlar a fertilidade, o ormeloxifeno, que atua nos receptores de estrogênio nas células do útero de maneira a modular a expressão gênica destas células. O ormeloxifeno está sendo utilizado na Índia por 20 anos e recentemente foi introduzido na América do Sul, mas ainda é proibido nos EUA e na Europa.
Apesar do uso da pílula anticoncepcional ter sido questionado, pelo fato das mulheres poderem, eventualmente, desenvolver um quadro de maior propensão para trombose, isso foi evitado pela administração de pílulas anticoncepcionais com baixa concentração dos agentes inibidores da ovulação. Adicionalmente, foi feito um estudo de 39 anos com 46.000 mulheres, publicado neste ano no British Medical Journal, que mostrou que o uso regular de pílula anticoncepcional ajuda a prevenir câncer ovariano e do endométrio.
Porém, uma das maiores conseqüências do advento da pílula anticoncepcional é ter designado a responsabilidade pela gravidez somente à mulher. O peso desta responsabilidade foi diminuído com a descoberta da vasectomia, uma técnica cirúrgica que faz com que o homem não mais emita espermatozóides, e que pode ser reversível.
Estima-se que cerca de 100 milhões de mulheres utilizem atualmente a pílula anticoncepcional. Porém, menos de 5% deste número são de mulheres da África e Ásia, e mais de 60% nos países desenvolvidos.
O mais interessante é a afirmação de Djerassi em seu livro One man’s pill, publicado em 2001: “(…) existe uma resposta categórica que pode ser fornecida ao questionamento sobre os benefícios X os riscos de se utilizar a pílula. Me refiro ao número de crianças não desejadas e abortos prevenidos ao longo de todos estes anos.”

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