Uma pequena empresa química sediada no
México, chamada “Laboratorios Hormona”, era conduzida pelo húngaro
Emeric Somlo e pelo alemão Federico Lehman. A principal atividade desta
empresa era a extração de hormônios naturais (progesterona,
testosterona) a partir de órgãos de animais. Os rendimentos químicos
deste processo eram extremamente baixos, e a pureza dos hormônios
obtidos não devia ser lá grande coisa. Por isso, foi com muita surpresa
que Somlo e Lehman receberam Russell Marker, um professor de químico dos
EUA, com um pacote de 2 kg de progesterona. Marker tinha acabado de
desenvolver a síntese da progesterona a partir da diosgenina, em apenas
cinco etapas de reações químicas – um número extremamente pequeno de
etapas, altamente vantajoso para um processo industrial. Marker tinha
descoberto a estrutura da sarsapogenina a partir da raiz da
salsaparrilha, e observou que a estrutura da sarsapogenina permitiria
transformá-la em estruturas parecidas com as dos hormônios sexuais –
progesterona e testosterona. No entanto, Marker percebeu que a
sarsapogenina não seria um bom material de partida para um processo
industrial, ou semi-industrial, uma vez que a disponibilidade da
salsaparrilha não era adequada e o rendimento do processo não era
fantástico. Sendo assim, procurou outra fonte de um esterol natural que
também pudesse ser degradado para obter os hormônios sexuais – e
encontrou: a diosgenina, que isolou do cacto Dioscorea mexicana, conhecida popularmente no México como cabeza de negro.
Em 1942, Marker otimizou a obtenção da
progesterona a partir da diosgenina em um processo de 5 etapas. No
entanto, nenhuma das empresas americanas que procurou se interessaram
pela sua descoberta. Somlo e Lehmann perceberam o potencial da
descoberta de Marker, e os três criaram uma nova empresa, a Syntex, para
a produção de hormônios esteroidais. No entanto, Marker deixou a
empresa logo – em 1944 – por desavenças com seus sócios. Lehmann e Somlo
contrataram um novo químico, o húngaro George Rosenkranz, e, mais
tarde, o austríaco radicado nos EUA Carl Djerassi. Com esta equipe a
Syntex rapidamente se tornou uma das líderes na produção de hormônios
esteroidais, como progesterona, testosterona e vários estrogênios, todos
preparados a partir da diosgenina. Mas o melhor ainda estava por vir.
Em 1951 a Syntex apresentou a síntese da
cortisona em 20 etapas de reações químicas, 12 etapas a menos do que a
síntese química desenvolvida pela companhia Merck. A síntese
desenvolvida pelo time da Syntex foi completada antes das sínteses de
dois eminentes químicos orgânicos de síntese: Louis Fieser e Robert
Woodward, ambos de Harvard. Este último receberia o prêmio Nobel de
química em 1965. Os químicos da Syntex ainda conseguiriam melhorar ainda
mais a síntese da cortisona, utilizando um outro esterol de origem
vegetal, a hecogenina, isolada do sisal.
Ao comercializar a progesterona, os
químicos da Syntex perceberam problemas sérios da administração oral
deste hormônio, uma vez que é muito pouco solúvel em água e se degrada
muito rápido no soro sangüíneo (o tempo de meia-vida da progesterona em
soro é de cerca de 5 minutos). Em paralelo, Djerassi e Rosenkranz
descobriram que a firma Schering em Berlim já havia conseguido
sintetizar um análogo da progesterona, a etisterona, em 1938. A
etisterona apresentava atividade similar a da progesterona e era solúvel
em água. Além disso, Djerassi e Rosenkranz também descobriram que em
1944 Maximilian Ehrenstein, da Universidade da Pensilvânia (EUA), havia
sintetizado um outro derivado da progesterona: a 19-norisoprogesterona,
utilizando outro esterol vegetal como material de partida, a
estrofantidina. A 19-norisoprogesterona também apresentava atividade
similar à da progesterona. Desta forma, Djerassi e Rosenkranz decidiram
sintetizar a 19-norprogesterona, para a qual esperavam uma atividade
similar à da progesterona melhor do que a da 19-norisoprogesterona. Dito
e feito: a síntese foi concluída e o efeito da 19-norprogesterona
mostrou ser melhor do que o da 19-norisoprogesterona.
A partir destes resultados, Djerassi e
Rosenkranz decidiram sintetizar outro derivado da progesterona, a
19-noretisterona, que teria variações estruturais observadas para os
derivados anteriormente ativos: a eliminação do grupo –CH3
(metila) na posição 19 e um grupo etinila (uma ligação tripla
carbono-carbono) na posição 17. Desta forma, esperavam obter um derivado
da progesterona ainda mais ativo. O que de fato foi confirmado. Os
químicos da Syntex batizaram este novo derivado da progesterona de
noretindrona, e sua síntese foi apresentada uma no antes da síntese de
outro derivado, o noretinodrel, preparado pela equipe da empresa Searle.
Qual a importância em se sintetizar a
progesterona? O fato desta substância apresentar efeitos de inibir a
ovulação e prevenir a contração uterina que ajuda a prevenção da
expulsão do embrião. Ou seja, de inibir a formação deste. A noretindrona
e o noretinodrel também apresentaram marcada ação de inibição da
ovulação. E assim, poderiam atuar como inibidores não-naturais deste
processo, podendo ser obtidos em quantidades industriais como feito pela
Syntex. O mais interessante foi a descoberta de um contaminante, o
mestranol, nas amostras de noretindrona e noretinodrel, que seria um
produto secundário da síntese. O mestranol mostrou aumentar ainda mais a
atividade anti-ovulatória dos derivados da progesterona. Desta forma,
as primeiras formulações da pílula anticoncepcional foram feitas com
noretindrona, noretinodrel e pequenas quantidade de mestranol. Os testes
realizados com esta formulação apresentaram efeitos absolutamente
inacreditáveis: somente mulheres que interromperam a sua administração
ficaram grávidas.
Em 1962, as empresas Ortho e Syntex
lançaram o Ortho-Novum, um anticoncepcional constituído de noretindrona e
mestranol. Em 1964 a Syntex colocou no mercado a Norinil, um
contraceptivo de baixa dose, contendo 2 mg de noretindrona e 0,1 mg de
mestranol em cada pílula. Tal composição é a principal composição da
pílula anticoncepcional utilizada até hoje.
Em 1966, mais de 5 milhões de mulheres
norte-americanas já estavam tomando os novos contraceptivos orais.
Apesar de novos contraceptivos terem sido desenvolvidos, os principais
contraceptivos ainda são os mesmos utilizados de há muitos anos. A
principal inovação foi a “pílula do dia seguinte”, também denominado de
“contraceptivo de emergência”, a mifepristona, que atua bloqueando os
receptores da progesterona no útero.
Um único fármaco foi criado para se
controlar a fertilidade, o ormeloxifeno, que atua nos receptores de
estrogênio nas células do útero de maneira a modular a expressão gênica
destas células. O ormeloxifeno está sendo utilizado na Índia por 20 anos
e recentemente foi introduzido na América do Sul, mas ainda é proibido
nos EUA e na Europa.
Apesar do uso da pílula anticoncepcional
ter sido questionado, pelo fato das mulheres poderem, eventualmente,
desenvolver um quadro de maior propensão para trombose, isso foi evitado
pela administração de pílulas anticoncepcionais com baixa concentração
dos agentes inibidores da ovulação. Adicionalmente, foi feito um estudo
de 39 anos com 46.000 mulheres, publicado neste ano no British Medical Journal, que mostrou que o uso regular de pílula anticoncepcional ajuda a prevenir câncer ovariano e do endométrio.
Porém, uma das maiores conseqüências do
advento da pílula anticoncepcional é ter designado a responsabilidade
pela gravidez somente à mulher. O peso desta responsabilidade foi
diminuído com a descoberta da vasectomia, uma técnica cirúrgica que faz
com que o homem não mais emita espermatozóides, e que pode ser
reversível.
Estima-se que cerca de 100 milhões de
mulheres utilizem atualmente a pílula anticoncepcional. Porém, menos de
5% deste número são de mulheres da África e Ásia, e mais de 60% nos
países desenvolvidos.
O mais interessante é a afirmação de Djerassi em seu livro One man’s pill,
publicado em 2001: “(…) existe uma resposta categórica que pode ser
fornecida ao questionamento sobre os benefícios X os riscos de se
utilizar a pílula. Me refiro ao número de crianças não desejadas e
abortos prevenidos ao longo de todos estes anos.”
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